BEIRA ALTA
UM RETRATO TERRITORIAL
in AAVV (1988), Arquitectura Popular em Portugal, Lisboa, AAP.)
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Construções Típicas
As construções são de granito ou de xisto, principalmente de dois pisos, com escadas exteriores. Têm origens profundas na natureza e vida da região.
O emprego da telha em coberturas, certas maneiras de aparelhar e dispor as pedras em paredes e, possivelmente, a organização espacial dos pátios são contribuições duradoiras da influência romana na beira além da prática de pavimentar os arruamentos com grandes pedras.
Os carros de bois são, ainda hoje, o meio mais usual para o transporte de objectos e pouco ou nada diferem dos que se usavam há dois mil anos. Continuam, como então, a condicionar a escala dos pátios, dos alpendres e das dependências que os guardam. A escala e a organização espacial das casas rurais devem muito às actividades e ao engenho da gente que povoou a beira noutros tempos.
As imposições da agricultura dominam o panorama dos factores condicionantes das habitações. É para facilitar as tarefas agricolas, ou tendo em conta as necessidades relacionadas com a agricultura, que se organizam os espaços internos das habitações e aqueles que constituem o seu prolongamento natural para o exterior. Metade da superfície coberta destina-se aos animais domésticos, às alfaias, às arrecadações de palha para o gado. Atrás da casa fica o quintal, com uma pequena horta, alguns cordões de vinha e o poço de cegonha.
Cada casa é o fulcro de um pequeno mundo agrícola familiar.
Para além do sector habitacional, são bastantes ainda os edifícios que servem os agricultores. Entre outros, os palheiros, as casas da eira, os espigueiros, os lagares, as adegas e as azenhas.
Materiais correntes de construção
O granito é aquele em que a Natureza foi mais pródiga e generosa para os construtores da região. A generalidade do seu emprego e a variedade das suas aplicações decorreram dessa abundância e da qualidade excepcional do granito.
As argamassas são de uso relativamente recente. A falta de calcários deu à cal - importada de Cantanhede - um carácter de luxo, que só os ricos se podiam permitir. Rudes alvenarias não argamassadas são, contudo, ainda correntes na Beira.
Nalgumas àreas da região, o xisto substitui o granito como material de mais fácil aprovisionamento local. Utilizam-no, quase exclusivamente, nas suas formas naturais de extracção, em paredes de alvenaria, muito menos estáveis que as de granito, ou em coberturas simples dos edifícios humildes- dispostas as maiores sobre um varedo tosco de madeira. Ou ainda em pavimentos de lareiras e de casas. Só em regiões privilegiadas se pode extrair duma peça de xisto uma verga para um vão de porta ou janela, dificuldade que impôs aos construtores uma solução, depois generalizada: a de as fazerem duma madeira sólida e duradoura, quase sempre o castanho, madeira a que o correr dos anos acaba por dar um aspecto muito pareciso com o do próprio xisto.
Nas zonas de transição entre os terrenos xistosos e os graníticos, a estabilidade das paredes de xisto reforça-se com o emprego de vergas e de cunhais de granito, endentados na alvenaria corrente.
Extensas matas de pinheiros cobrem uma percentagem elevada do território da Beira. Em tempos idos, os soutos de castanheiros ocupavam vastas áreas acima dos 500 metros de altitude. As peças grandes de pinho ainda são feitas no local de derrube. O tabuado, o varedo, o ripado e os barrotes de secção média já se fazem em serrações mecânicas. O corte manual e o corte mecânico, exacto, estão na base das diferenças de expressão das carpintarias em obras, nos edifícios recentes e antigos.
Entre os trabalhos correntes de madeira contam-se os pavimentos ( só no primeiro andar, nas casas rurais de dois pisos ), o de revestimento de tectos ( só em casas abastadas ), o de cancelas, portas e janelas ( estas ainda sem vidros nos povoados menores ), o das varandas e o de edificações especiais, como é o caso dos espigueiros que abundam a norte de Viseu.
BEIRA ALTA
UM RETRATO TERRITORIAL
in AAVV (1988), Arquitectura Popular em Portugal, Lisboa, AAP.)
A Beira Alta estende-se para o norte da serra da estrela, em terrenos acidentados e pedregosos, onde o granito imprime uma configuração de maior importância. Numerosos cursos de água retalham-na, vivificam-na e contribuem para o rude encanto das suas paisagens. Os pinhais cobrem extensas áreas da parte ocidental da província e restam ainda alguns dos muitos soutos dos castanheiros que noutros tempos existiam.
Nos terrenos aráveis crescem o milho, o centeio, a batata, a oliveira e a vinha que, nas terras do Vouga e do Dão produz vinhos de nomeada.
A traços largos, os povoados da Beira impressionam pela relação estreita que mantêm com o meio natural - rude, pedregoso e pobre -, pela preponderância do factor agrícola, pela estrita economia de soluções, pelo primitivismo, a irregularidade e emprego dos materiais de mais fácil aprovisionamento local, com predomínio da pedra.
Nas vilas maiores e nas cidades, não são claras as imposições do meio. O factor agrícola é menos evidente, a malha urbana mais regular e os edifícios, de feição mais rica, erudita e desenraizada, ganham em aparato o que perdem em carácter.
Na estruturação dos povoados não intervieram ordenações urbanísticas com traçados prévios. Cada um foi erguendo a sua casa onde e conforme pôde, adaptando-se ao parcelamento das propriedades, deixando livres os caminhos comuns, alguns quintais e pequenos “aidos”. O casario, ora se concentra em espaços restritos, apertado, ora se espraia por extensos tractos de terreno quando os afloramentos rochosos os tornam improdutivos.
As casas, irregulares, são de granito, onde há granito, ou de xisto, onde o solo é xistoso, ou ainda de xisto e granito nas zonas de transição. Com o tempo, tomam a cor geral da região em que assentam. Os materiais mais usados nas coberturas - telha de canudo, lajes de xisto e colmo - também adquirem uma patine terrosa.
Dessa circunstância, aliada à adaptação do casario ao terreno, ressalta uma associação tão íntima entre as casas e a paisagem que, de longe, é por difícil distinguir a aldeia perdida entre penedos e árvores.
Um castelo medieval, um solar de aparatosa fachada ou um antigo convento sobressaem da massa desordenada do povoado. Um ou outro pelourinho enobrecem o pequeno largo irregular ou um simples recanto.
Mas, são as igrejas, na sua maioria construídas a partir do séc XVIII, que, com mais frequência, constituem o elemento predominante das povoações. [ ...]